Laboratório do Estado não tem dinheiro nem experiência para pesquisar fosfoetanolamina

O governo do Estado assumiu na noite de quarta-feira um encargo desafiador: trabalhar na pesquisa e no desenvolvimento de um remédio contra o câncer, mas sem ter dinheiro ou experiência para isso. Graças à articulação do deputado Marlon Santos (PDT), que ganhou notoriedade como médium e praticante de cirurgias espirituais, o Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul (Lafergs) assinou um termo de cooperação com os responsáveis por criar a fosfoetanolamina sintética, molécula encarada como esperança de cura por doentes e como exemplo rematado de charlatanismo por integrantes da comunidade médica.

Pelo acordo, o laboratório estatal vai analisar os testes já realizados com a substância e promover os que ainda sejam necessários, com o objetivo, se tudo der certo, de chegar à aprovação de um medicamento que a humanidade inteira aguarda há décadas. O detalhe é que o Lafergs não tem qualquer orçamento previsto para a tarefa e jamais desenvolveu qualquer remédio.

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O Lafergs nunca fez uma pesquisa assim. Trabalhamos com produtos genéricos, reproduzindo medicamentos que já existem. Essa seria a primeira medicação pesquisada e desenvolvida dentro do laboratório – diz o diretor da instituição, Paulo Mayorga.

Desenvolvida na década de 1990 pelo químico Gilberto Chierice, então professor na Universidade de São Paulo (USP), a fosfoetanolamina ganhou projeção nos últimos meses, depois que a instituição de ensino impediu que ela continuasse a ser produzida e distribuída – o que provocou uma enxurrada de ações judiciais de pacientes desesperados. Apesar de a molécula não ter passado pelas etapas exigidas para ser reconhecida como medicamento, muitos doentes passaram a crer que ela é capaz de curar qualquer tipo de câncer. Os médicos afirmam que não há comprovação e temem possíveis efeitos nocivos.

O deputado Marlon Santos, da base de apoio do governo, soube que Chierice e sua equipe estavam enfrentando problemas na Justiça há cerca de dois meses, por intermédio da filha de um paciente.

– Fui atrás, estudei tudo e comecei a ver a judiaria que estavam fazendo com os cientistas – conta.

Marlon contatou Chierice por telefone para saber do que ele precisava. O químico disse que necessitava de um laboratório e de apoio oficial. A partir dali, o deputado mobilizou os colegas de Legislativo, deliberou com o Lafergs e envolveu o próprio governador no assunto.

– É estranho um deputado articular coisas do Executivo, mas eu fui atrás. Quando conversei com o Sartori, ele disse: “Toca ficha. Encabeça isso, para não deixar morrer a coisa. E manda um abraço para ele (Chierice), diz para ele vir ao Estado, para a gente conversar”. Então eu trouxe para dentro do meu gabinete uma coisa que seria do Legislativo e do Executivo – conta Marlon.

Como resultado, na quarta-feira Chierice e quatro pesquisadores de sua equipe foram à Assembleia Legislativa para assinar o termo de cooperação. Ontem, o professor aposentado paulista passou horas em conversas no gabinete do parlamentar. Deputados e visitantes mostravam-se embevecidos com a presença do químico.

Paulo Mayorga confirma que foi a partir da mobilização do deputado que o governo do Estado acionou o laboratório.

– Mas não foi só uma questão política, também teve uma aproximação técnica. Julgamos interessante tentar, embora tenhamos clareza de que existe um longo período a ser percorrido – afirma o diretor.

Pelo acerto feito com os paulistas, a tecnologia para produção da fosfoetanolamina será repassada ao Estado, que a fabricará exclusivamente para fins de pesquisa. Na primeira etapa, porém, o grupo de trabalho criado no Lafergs vai analisar a documentação da equipe de Chierice, para saber em que pé está a pesquisa, descobrir o que precisa ser realizado e, quando possível, propor à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a realização de um estudo clínico.

Para realizar os testes e os estudos necessários, afirma Mayorga, o Lafergs terá de contratar laboratórios e centros de pesquisa habilitados. Não há nenhum recurso previsto para isso. Aliás, não há nenhum recurso previsto para todo o projeto.

– O que nós temos é o capital intelectual – afirma o diretor.

Outra coisa que não existe é cronograma. Como o Lafergs ainda precisa se inteirar sobre que testes exigidos pela Anvisa já foram realizados, não há qualquer previsão do que exatamente será feito, quando, quanto irá custar e quem pagará a conta.

Além disso, na medida em que detiver o conhecimento para produzir a molécula, o Lafergs estará na mesma condição da USP, que sofreu uma avalanche de processos judiciais e teve de garantir a entrega da fosfoetanolamina a centenas de pacientes munidos de liminares. Mayorga reconhece o risco, mas afirma que ele não pode impedir a pesquisa:

– O Rio Grande do Sul é campeão no Brasil em processos judiciais para fornecimento de medicamentos, mas se for pensar por esse lado, não faríamos pesquisa de nada.

Redação de Jornalismo

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