A cidade de Eldorado do Sul foi uma das mais atingidas pela enchente do Rio Jacuí, em maio de 2024. A água invadiu a casa de Suzana, chegando a 1,4 metro, e ficou parada por três semanas. O estrago foi grande: móveis e eletrodomésticos destruídos e o carro submerso, que nunca mais funcionou.
Um ano depois, Suzana ainda enfrenta as consequências da enchente. Diagnosticada com síndrome do pânico, sua principal renda vem do auxílio-doença do INSS, complementado com a venda de doces e salgados.
Durante a enchente, ela precisou sair de casa às pressas com a filha e o gato. Perdeu o contato com o filho de 19 anos, que ficou desaparecido por mais de uma semana. “Ele passou dois dias em cima de um telhado, com fome e frio. Pensei que ele tivesse morrido”, contou ela em entrevista à Folha de São Paulo.
Saúde mental em alerta
Ao retornar para o trabalho no hospital, um mês depois, Suzana sentiu os efeitos do trauma. “Chorava no trabalho, com ansiedade, dor no peito, formigamento. Qualquer chuvisqueiro me deixava nervosa”, conta.
Ela passou a ser atendida no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) de Eldorado do Sul, onde faz tratamento mensal e usa medicamentos. Notou que outros moradores também enfrentam problemas semelhantes.
“Com todas as letras, a cidade está doente”, desabafa. “A maioria tem pânico, depressão, precisa de remédio. Muitos amigos meus estão tomando medicamentos.”
Aumento nos atendimentos e desafios
Em Eldorado do Sul, os atendimentos ambulatoriais subiram 56,7%, e os do Caps passaram de 5 mensais para 461. A cidade foi proporcionalmente a mais afetada pela enchente, com 81,1% dos moradores e 71,2% dos imóveis atingidos.
Levantamento do Datasus indica que os atendimentos ligados a transtornos mentais nos hospitais gaúchos cresceram 11,7% nos 10 meses seguintes à tragédia. Houve pico histórico de atendimentos públicos em outubro do ano passado, com 64,2 mil casos.
A queda nas internações psiquiátricas e a oscilação na procura por Caps são explicadas por fatores como perda de acesso a serviços, medicamentos e receitas, além da dificuldade de deslocamento.
Pesquisas apontam impactos persistentes
Estudos mostram que, mesmo seis meses após a cheia, 1 em cada 4 pessoas atingidas apresentava sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
A pesquisadora Juliana Scherer, da Unisinos, alerta para a gravidade do quadro. “O impacto na saúde mental pode ser silencioso. Muitas pessoas não buscam ajuda por estigma ou dificuldade de acesso, e os efeitos a longo prazo podem ser graves”, afirma.
A enchente do RS foi o maior evento de desalojamento do tipo já registrado no Brasil. A recuperação da saúde mental da população segue como um desafio para as autoridades e para toda a comunidade.