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Comunidade

FURG fortalece laços com comunidades quilombolas em ação após inundações

Ação conjunta da Comissão de Assuntos Afro-brasileiros da Caid, Proexc e FURG-SLS aconteceu em áreas urbana e rural de São Lourenço do Sul
FURG fortalece laços com comunidades quilombolas em ação após inundações. Foto: Larissa Schneid Bueno/Secom.
FURG fortalece laços com comunidades quilombolas em ação após inundações. Foto: Larissa Schneid Bueno/Secom.

Foi com o intuito de conhecer e atender às necessidades das comunidades quilombolas nos territórios dos campi da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) que a Comissão de Assuntos Afro-brasileiros da Coordenação de Ações Afirmativas, Inclusão e Diversidades (Caid), vinculada ao Gabinete do Reitor, realizou visitas a quatro quilombos na última quinta-feira, 20.

A comissão fez o contato com as comunidades, identificou as demandas específicas de cada uma após os alagamentos que impactaram o Estado, tanto de forma direta quanto indireta, e buscou compreender suas realidades para verificar o acesso aos programas governamentais de assistência emergencial às populações afetadas.

Entre as comunidades visitadas estavam o Quilombo Ponto de Memória Marina Lina, na área urbana, e os Quilombos Boqueirão, Monjolo e Coxilha Negra na área rural, que receberam  roupas, calçados, cobertores e itens de higiene.

A entrega das doações contou com a participação do diretor da FURG-SLS, Eduardo Vogelmann, do pró-reitor da Proexc, Daniel Porciúncula Prado, da estagiária da secretaria da Proexc, Camila Pupulin, que prestou apoio técnico, além da própria Comissão de Assuntos Afro-brasileiros, representada pela Técnica em Assuntos Educacionais da Caid Elina Rodrigues de Oliveira, pela docente atuante na Escola de Química e Alimentos, Vânia Rodrigues de Lima, e pela estudante do curso de Letras da FURG Priscila Ferreira. Além de Elina, Vânia e Priscila, a Comissão de Assuntos Afro-brasileiros da CAID também é composta por Cassiane de Freitas Paixão, Marcella Farias e Murilo Silva.

A equipe também contou com a presença de Daniel Soares, o Mestre Pretto que, a pedido da Comissão, acompanhou as visitas, fortalecendo as interações junto às comunidades quilombolas. “A iniciativa da ação partiu da Comissão de Assuntos Afro-brasileiros que faz parte da Caid. Tivemos o apoio da Pró-reitoria de Extensão e Cultura, que nos ajudou em toda a logística e instruiu em como separar essas doações, e esteve conosco nas entregas. Para além das doações, nossa intenção também é cada vez mais aproximar a Universidade das comunidades tradicionais que tanto tem a nos ensinar”, destacou Elina.

“É fundamental que escutemos as demandas, que tentemos atendê-las, e que conheçamos as lutas e as conquistas dos quilombolas que, como vemos neste dia, atuam fortemente influenciando nossa educação, cultura e tecnologia”, complementa Vânia.

Ao comentar sobre o impacto das doações, Daniel enfatizou que as entregas proporcionaram mais uma oportunidade de estreitar os laços da universidade com as comunidades e destacou que esse compromisso não se limita aos membros internos da instituição, como alunos, técnicos, professores e terceirizados, mas é um espaço de interação com toda a sociedade.

“Em última análise, existimos por causa da nossa comunidade externa. Portanto, este é um momento de aproximação institucional das nossas ações, fortalecendo a possibilidade de bons encontros e consolidando a universidade como um espaço para o desenvolvimento de políticas públicas junto às nossas comunidades, especialmente em São Lourenço do Sul e suas comunidades tradicionais. Não é novidade a FURG estar envolvida com os quilombos, seja através do Campus do Rio Grande, mas, principalmente, no Campus de São Lourenço, onde temos uma relação consolidada de ensino, pesquisa e extensão que se aprimora ao longo do tempo”, reforçou.

Na próxima semana, mais três comunidades quilombolas no interior do município serão visitadas e receberão as doações, além de uma comunidade em Rio Grande.

“Uma das prioridades da FURG, inclusive no Campus de São Lourenço do Sul, é tentar manter e priorizar sempre esse contato da universidade com as comunidades tradicionais. O município se encaixa muito bem nessa ideia, porque há uma relação de longa data e forte com as comunidades quilombolas. Temos um grande número de comunidades no Município, e muitos são estudantes da universidade, então temos esse laço bastante fortalecido. Temos, neste momento de grande solidariedade em todo o Brasil, uma grande quantidade de doações, e é um momento de tentar fortalecer essas comunidades”, disse Eduardo.

Quilombo Maria Lina

O Quilombo Ponto de Memória Maria Lina, liderado por Vera Lúcia de Souza, também conhecida como Vera Macedo, foi diretamente afetado pelo aumento do nível da Lagoa dos Patos. O nome “Maria Lina”, que homenageia a avó de Vera, nascida em 1884, foi escolhido em reconhecimento à sua história como quilombola.

Situado no bairro Navegantes, Vera relatou que o quilombo perdeu parte significativa da sua identidade e história, além de bens materiais levados pela água. Entre os trabalhos educacionais realizados da comunidade, estão a confecção de maquetes que retratam a vida dos quilombos e a contação de histórias que preservam a memória do quilombo.

Conforme relatado por Priscila Ferreira, que também integra a comunidade, o Quilombo Maria Lina venceu a terceira edição do Prêmio Palmares de Arte, em 2023, através do projeto sobre as casinhas de barro, ficando em 11º lugar dentre os 15 projetos vencedores que foram selecionados em todo o Brasil. Em 2023, a comunidade também teve o projeto intitulado “Quilombo Maria Lina: cultura e vivência ancestral” aprovado pela Lei Paulo Gustavo.

Segundo Vera, durante a enchente, as maquetes foram identificadas como uma das prioridades para serem resgatadas e salvas como bens materiais importantes. “O quilombo Maria Lina é um ponto de memória lá na praia, na minha casa, onde inundou tudo e tivemos que sair. Levamos essas memórias para as escolas e para a comunidade para que não se percam”, evidenciou.

A comunidade deu prioridade ao resgate das maquetes feitas pelos projetos educacionais que retratam a vida no quilombo. Foto: Larissa Schneid Bueno/Secom

Quilombo Boqueirão

Patricia Blank Barwaldt, presidente do Quilombo Boqueirão – o primeiro da região, compartilhou alguns desafios enfrentados pela comunidade, como a obtenção do certificado com início em 2022, ainda em fase de análise. E por ainda não possuírem certificação, a comunidade enfrenta dificuldades para acessar programas governamentais.

“Não fomos atingidos diretamente pelo temporal, mas indiretamente, pois muitas pessoas daqui plantam ou trabalham na cidade. Eu mesma sou diarista, assim como muitas mulheres aqui, e várias casas na cidade foram atingidas. Houve pessoas que ficaram dois meses sem trabalhar, incluindo muitas mães solo. Como sustentar uma família em tempos assim? Graças a Deus, recebemos muita ajuda”, frisou Patrícia.

Entre as ações da comunidade, está o projeto “Raízes Culturais: Entrelaçando Cores e Literatura”, financiado pela Lei Paulo Gustavo, que inclui o teatro de fantoches sobre história quilombola, apresentado para uma escola do interior do Município e para os outros cinco quilombos da localidade. Além do teatro, apresentam outras dinâmicas que conectam as crianças às histórias e contextos quilombolas.

“Cada pessoa que visita nosso quilombo é importante, pois mesmo sem certificação, estamos sendo reconhecidos. A emoção é imensa, e sem dar o primeiro passo, não podemos progredir. Infelizmente, o racismo ainda é um grande obstáculo, e para nosso quilombo, a união e o reconhecimento das pessoas têm sido maravilhosos”, concluiu Patricia.

Quilombo Monjolo

Na comunidade liderada por Jerri de Quevedo, o acesso às políticas públicas de crédito é um desafio devido ao não reconhecimento como agricultores e à exclusão de programas assistenciais emergenciais, por não estarem em áreas oficialmente afetadas pelas inundações.

“A gente vem sofrendo pela falta de recursos. Seria muito importante nesse momento difícil que as comunidades estão enfrentando, pela escassez de recursos e pela falta de crédito para alavancar as produções que sofreram perdas significativas. Isso é fundamental para encarar mais um ano de trabalho, garantir alimentação na mesa e sustentar outras famílias que não têm espaço para essa produção”, pontuou.

Jerri perdeu 70% de sua plantação orgânica, que mesmo protegida em estufas não resistiram à falta de sol. De acordo com ele, o Quilombo Monjolo foi o pioneiro no Município a fornecer produtos para o Programa Fome Zero, a primeira comunidade da região a receber energia solar e em criar uma feira quilombola de produtos orgânicos, em parceria com o Quilombo Algodão e com assistência técnica do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), que acontece aos sábado em Pelotas, das 8h às 14h, ao lado da Biblioteca Pública.

Ele também mencionou a dificuldade em adquirir um caminhão para facilitar a realização das feiras, visto que não ainda não foi adquirido pela falta de crédito ou auxílio governamental.

Quilombo Coxilha Negra

No quilombo Coxilha Negra, as inundações atingiram boa parte das plantações. Foto: Larissa Schneid Bueno/Secom.
No quilombo Coxilha Negra, as inundações atingiram boa parte das plantações. Foto: Larissa Schneid Bueno/Secom.

Apesar de ter sido atingida indiretamente, esta comunidade também sentiu o impacto dos alagamentos. Cenira Corrêa, vice-líder do Quilombo Coxilha Negra, relatou que quem não perdeu suas plantações acabou perdendo vários dias de trabalho devido às chuvas constantes, o que consequentemente afeta financeiramente as famílias.

“A maioria das mulheres trabalha diariamente na colheita de fumo; estávamos prestes a começar a colheita de milho, mas ficamos parados. Muitas mulheres que trabalhavam na cidade também pararam com as faxinas”, explicou. Ela também compartilhou a realidade enfrentada por algumas famílias quilombolas em relação à insegurança alimentar, agravada pelos dias sem aula, o que levou crianças e adolescentes a fazerem mais refeições em casa, impactando o contexto econômico da população.

“Devido aos muitos dias sem aula ocasionados pelas fortes chuvas, ficamos em casa por muito tempo sem trabalhar. Muitos de nossos filhos perderam aulas e a merenda escolar que costumavam ter. Como não fomos diretamente atingidos, não tivemos direito a nenhum recurso”, lamentou.

Por fim, Cenira destacou a importância da educação e do conhecimento para melhorar as condições de vida da comunidade, apresentando a Associação do Quilombo Coxilha Negra, sediada em um prédio da Prefeitura.

Os membros estão envolvidos em atividades que incluem a reforma da sede da associação, onde serão desenvolvidas atividades de formação política para a juventude, formação técnica, alfabetização, encontros culturais e rodas de conversa. Anteriormente, no prédio funcionava  uma escola multisseriada do quilombo, que foi fechada pela prefeitura. A reforma do prédio atualmente está interrompida devido à necessidade de realocar os recursos para a compra de alimentos durante o atual cenário e também pela dificuldade em acessar recursos financeiros repassados pelo governo estadual para a realização da obra.

Tags: Comunidades Quilombolas, furg, Rio Grande