Convidado como o principal palestrante da Expoagas 2015, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa expôs a um auditório lotado, na manhã desta quinta-feira, em Porto Alegre, sua leitura sobre como a política brasileira se encaminhou para o estado atual: “um cenário de fraude, engodo e violação de leis”, como define.
Para o jurista, a corrupção tem como base uma sociedade desigual, o exercício de cidadania muito recente, trocas de favores na esfera pública e a “promiscuidade” que está na raiz da relação entre a política e o poder econômico. No pacote de fatores elencados, não escapou ainda uma alfinetada no Judiciário. Ao ser questionado sobre a atuação do juiz Sérgio Moro, que conduz as ações da Operação Lava-Jato, o ex-ministro fez um elogio breve:
— Está fazendo aquilo que todo juiz deveria fazer e, lamentavelmente, não faz.
Em sua fala de pouco mais de meia hora, interrompida diversas vezes por aplausos que tomavam conta do Teatro do Sesi, na Fiergs, Barbosa falou da história do Brasil e citou a “estadania” como principal elemento para a sujeira que se entranha na política no país.
— A corrupção sistêmica é causada por essa mescla entre empreendedorismo econômico e, ao mesmo tempo, recebimento de vantagens financeiras da parte do Estado. (…) A dependência excessiva de benefícios empresariais concedidos pelo Estado corrompe completamente a lógica do sistema público capitalista, a começar pelos próprios pilares, que são os princípios da concorrência e da livre iniciativa — argumentou Barbosa.
partir da aproximação com o governo, empresas buscam privilégios econômicos. Por sua vez, a partir da proximidade com o setor privado, a máquina pública pretende conquistar o financiamento. É o processo que o ex-ministro chamou de “toma lá, dá cá”:
— Políticos naturalmente querem se eleger e se perpetuar nos cargos para os quais são eleitos. Já os empreendedores, nessa relação promíscua, com esse tipo de financiamento, querem subsídios, como uma espécie de dopantes que os ajudem a tirar a concorrência do seu caminho. Essa dinâmica perversa precisa urgentemente ser extirpada da vida pública brasileira.
Aplaudido a cada intervalo, o relator do processo do mensalão no STF disse ainda haver uma “nuvem de silêncio hipócrita” no país quando o assunto é a troca de vantagens dentro da esfera pública.
— Todos sabem qual a motivação das cúpulas dos partidos políticos quando, sem o menor pudor, pressionam o Executivo para que este nomeie representantes seus para cargos estratégicos na administração pública. Mas, no debate público atual, existe uma nuvem de silêncio hipócrita sobre o assunto, (…) porque os próprios chefes do Poder Executivo pertencem a essa mesma engrenagem, cresceram politicamente graças a esses mesmos métodos nocivos ao interesse público e, muito provavelmente, devem pensar que não há outra solução — criticou.
Após direcionar a narrativa para uma problema que quase sempre se apresenta como sem saída, a corrupção, Barbosa pediu que a plateia do Teatro do Sesi não tomasse suas palavras com pessimismo:— Devemos reconhecer que a busca por uma sociedade mais justa, em que todos tenham condições de buscar os seus objetivos pessoais, é um eterno trabalho de construção. A meu ver, as nossas instituições evoluíram e hoje estão estruturadas para assegurar estabilidade e um mínimo de certeza, mesmo em situações de aparente crise política ou econômica, como é a que vivenciamos neste momento.
Em um curto bate-papo após a palestra, dentro da programação do evento, o jornalista Rogério Mendelski, da Rádio Guaíba, questionou o ex-ministro sobre a possibilidade e se candidatar à Presidência da República. Barbosa riu e disse que “até que demorou” para a indagação vir.
— A minha contribuição com a vida pública brasileira já se esgotou. Já passou o meu tempo. E eu não me ajustaria ao modo como a política é feita no país — respondeu, sob aplausos. E complementou: isso tem que ser mudado.
— O senhor mudaria! — gritou alguém da plateia.
— Uma andorinha só não faz verão — finalizou o ex-ministro.