O governo do Estado decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar o contrato da dívida com a União. Anunciada ontem pelo governador José Ivo Sartori, ação pede a revisão completa do acordo firmado em 1998, na gestão de Antônio Britto (PMDB), inclusive com o fim da cobrança de juros.
Na época, o governo federal assumiu os débitos de vários Estados, incluindo o Rio Grande do Sul, que ficou obrigado a pagar R$ 9,5 bilhões, em valores atualizados, por um período de três décadas. Ficaram definidos juros de 6% ao ano e correção pelo IGP-DI. De lá para cá, embora todas as parcelas tenham sido pagas, o montante cresceu, atingindo a marca de R$ 47,2 bilhões, e está longe de ser quitado.
O refinanciamento, em 1998, funcionou como um balão de oxigênio para o Estado. Apesar disso, com o passar dos anos, tornou-se insustentável por não permitir a atualização dos termos da transação — ou, no jargão técnico, o “reequilíbrio econômico-financeiro”.
— O fato é que as condições contratuais mudaram completamente em relação ao período da assinatura. Se a lei prevê a possibilidade de revisão de contratos privados, não poderia deixar de contemplar um contrato público, que é pago por toda a sociedade — disse Sartori, durante coletiva de imprensa no Palácio Piratini.
Os principais objetivos da ação, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), são reduzir percentual gasto mensalmente (de 13% da receita corrente líquida, equivalente a cerca de R$ 265 milhões) e extirpar os juros.
— Na relação entre dois entes federados, não pode haver busca de lucro. Partimos dessa premissa para postular a exclusão total da taxa de juro. Não existe precedente, mas temos crença na nossa tese — afirmou o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel.
Na ação, a PGE argumenta ainda que o IGP-DI “é inapropriado em função do risco cambial que impõe aos devedores” e sugere a adoção do IPCA, cuja variação é menor, desde o início do contrato. Com isso, segundo relatório produzido pela Fundação de Economia e Estatística, o total devido cairia para R$ 21 bilhões.
A evolução da dívida
1998: R$ 9,56 bilhões
2010: R$ 37 bilhões
2011: R$ 39,4 bilhões
2012: R$ 42,6 bilhões
2013: R$ 45,2 bilhões
2014: R$ 47,2 bilhões
Principais objetivos da ação do Estado
– Obter a revisão do contrato assinado pelo Estado em 1998, quando a União assumiu a maior parte dos débitos.
– Baixar o percentual da receita comprometido mensalmente com o pagamento das parcelas, que hoje é de 13%.
– Acabar com a taxa de juro, que é de 6% ao ano. Se isso não for possível, reduzir o valor.
– Substituir o índice de correção, que hoje é o IGP-DI, pelo IPCA, cuja variação é menor.
Em ação semelhante, OAB aguarda decisão
A medida proposta pelo governo do Estado não é a primeira a tentar rever o contrato da dívida. Desde 2012, tramita no STF uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que também pretende alterar a forma de pagamento do passivo. Entre outras mudanças, a OAB pede à Corte a substituição do IGP-DI pelo IPCA e a redução do percentual pago mensalmente de 13% para 10% da receita líquida do Estado.
— Vemos com bons olhos a iniciativa, embora a nossa ação esteja em andamento e esse movimento pudesse ter sido feito há muito mais tempo, tanto pelo atual governo quanto pelo anterior — diz o presidente da entidade, Marcelo Bertoluci.
Renegociação de 2014 segue sem aplicação
Em 2014, após mobilização nacional liderada pelo ex-governador Tarso Genro (PT), foi aprovada a Lei Complementar nº 148, que alterou o índice de correção para o IPCA (limitado ao valor da taxa Selic) e diminuiu os juros para 4%. Apesar de importantes, as modificações não retroagem ao início do contrato (apenas a 1º de janeiro de 2013) e ainda não estão sendo aplicadas. Após negociação, a presidente Dilma Rousseff conseguiu convencer o Senado a transferir para janeiro de 2016 a aplicação.
Estado tentará impedir bloqueios outra vez
Em agosto, o Palácio Piratini ingressou com ação no STF pedindo que as contas do Estado não fossem bloqueadas pela União por falta de pagamento da dívida. O pedido foi negado pelo ministro Marco Aurélio Mello. Agora, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) pretende recorrer da decisão. A intenção é fazer isso até segunda-feira, mas, na prática, é remota a chance de reversão. Na época, Mello disse que “o Judiciário não pode autorizar ninguém a não honrar compromisso legal”.