A recente disparada do dólar, que passou a gravitar em torno dos R$ 4, derrubou ainda mais as projeções de importações. Ao mesmo tempo, trouxe pressão extra nas expectativas de inflação para 2015 e 2016.
Entidade que reúne empresas exportadoras e importadoras, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) fez um corte de US$ 5,1 bilhões nos cálculos sobre o desembarque de mercadorias no país neste ano com a brusca valorização da moeda americana nas últimas semanas. Devido ao movimento abrupto do câmbio, espera agora US$ 178,1 bilhões, o menor valor desde 2009 e 22% abaixo do ano passado.
— As importações continuam caindo de forma mais acelerada, enquanto nas exportações o aumento será pontual — diz José Augusto de Castro, presidente da AEB.
Segundo Castro, é possível notar redução nas compras de químicos utilizados na fabricação de produtos farmacêuticos e de minerais que são matérias-primas para a elaboração de fertilizantes. No primeiro caso, o câmbio vai bater direto no bolso do consumidor. Como 95% dos insumos usados na produção de medicamentos são importados, o efeito no preço dos remédios será inevitável, projeta o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). A entidade avalia que o resultado do aumento dos custos será mais percebido pelos usuários nas próximas semanas, com a renovação dos estoques.
— O impacto já é sentido. Os descontos já foram reduzidos — diz Juan Carlos Becerra, diretor-executivo do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de São Paulo, referindo-se aos benefícios que as fábricas oferecem e são repassados ao consumidor pelo varejo.
Em relação a fertilizantes, o potencial reflexo é frear um dos setores da economia com melhor desempenho nos últimos anos. A utilização menor de adubos pode diminuir a produtividade e acabar impactando no resultado da safra 2015/2016.
Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), que calcula o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), o efeito da escalada do câmbio começa a ser sentido em derivados do trigo, como pão, massas e biscoitos, e em produtos de limpeza e higiene, a base de produtos químicos, também majoritariamente importados.
Para o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antonio Cesa Longo, a recessão atravessada pelo país ainda impede um repasse maior nos preços.
— Se a economia estivesse normal, o impacto teria chegado ainda na semana passada (retrasada). Mas toda a cadeia está segurando ao máximo em razão da baixa demanda — explica.
Também por causa do dólar, analistas de mercado consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central (BC), têm aumentando as apostas para a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As novas projeções serão conhecidas hoje, mas semana passada o mercado projetava para 9,46% a alta nos preços em 2015. Quatro semana antes, a projeção era de 9,28%.
Se o movimento do dólar ainda não conseguiu materializar em negócios a expectativa positiva dos exportadores, para os setores da indústria nacional que sofrem a maior concorrência dos importados o câmbio a R$ 4 se tornou um alívio. O desestímulo a compras em outros países leva produtos brasileiros a abocanharem uma fatia maior do mercado.
Um dos segmentos mais empolgados é a indústria de brinquedos, que vive as semanas que antecedem o Dias da Crianças com a expectativa de reverter um duradouro quadro desfavorável. Faz 15 anos as fábricas brasileiras vendem menos do que os importados, especialmente da China.
— Neste ano, a gente acaba com isso. Começamos 2015 com 48% do mercado, contra 52% do importado. Mas vamos fechar com 55% — afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq).
As vinícolas gaúchas também erguem um brinde ao dólar. As importações ainda estão em alta em 2015, mas em um ritmo inferior ao ano passado. Conforme as distribuidoras começarem a repassar os custos maiores para os preços ao consumidor, a tendência é a bebida nacional avançar no mercado.
— Isso deve ficar mais visível no final do ano, época de maior comercialização, inclusive de tintos. O vinho também é um presente. Estamos em um momento favorável ao segmento — diz Diego Bertolini, gerente de promoção do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).
Na indústria calçadista, calejada pela concorrência dos calçados asiáticos nos últimos anos, as importações estão em queda no ano e os fabricantes acreditam que, caso a moeda americana tenha um ponto de equilíbrio em patamar próximo ao atual, será possível aumentar as exportações.
— Se percebe que o dólar vai se estabilizar em torno de R$ 4 e dificilmente cai para menos de R$ 3,50, o que garante a formação de um bom preço de venda — observa Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).