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Principais elos da cadeia produtiva da carne criam grupo de trabalho para debater o setor

Foto: AgroEffective / Divulgação
Foto: AgroEffective / Divulgação

A criação de um grupo de trabalho reunindo produtores,
indústria e varejo foi o principal resultado do primeiro Fórum da Cadeia
Produtiva da Carne Bovina, realizado nesta quinta-feira, 7 de julho. O evento
ocorreu na sede da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul
(Farsul), em Porto Alegre (RS), e contou com a presença de várias autoridades e
lideranças do setor. Promovido pelo Instituto Desenvolve Pecuária em parceria
com a Farsul e com o Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de
Corte e Cadeia Produtiva (NESPro), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Ufrgs), o Fórum surgiu a partir da necessidade de uma linguagem assertiva
frente aos grandes desafios a serem enfrentados pelo setor. O evento também foi
transmitido pelo canal do Instituto no YouTube.

Diante de um auditório lotado, o presidente da Farsul,
Gedeão Pereira, abriu o Fórum ressaltando o atual momento desafiador sob o
ponto de vista produtivo para a pecuária de corte, tanto na parte política,
quanto mercadológica e internacional. Afirmou nunca ter visto a pecuária de
corte tão desafiada pela entrada da nova fronteira agrícola brasileira. Na
sequência, o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Luis Felipe Barros,
destacou que este é o primeiro evento de grande porte proposto pela entidade e
com um tema tão sensível. “A criação deste fórum foi justamente porque
víamos uma cadeia produtiva da carne muitas vezes sem diálogo. Não existe
frigorífico se não existe pecuária, não existe varejo se não existe
frigorífico. Temos muitos desafios pela frente com o avanço da agricultura, a
sustentabilidade ambiental, carnes vegetais, carnes artificiais feitas em
laboratório e comunicação”, observou.

O presidente da Comissão de Relacionamento com o Mercado do
Instituto Desenvolve Pecuária, Ivan Faria, por sua vez, disse que este é um
momento muito delicado para os pecuaristas. “Enfrentamos o dobro da
inflação urbana, os frigoríficos com demanda reprimida, a oferta de boi para
abate muito baixa que tende a se agravar, além de um varejo pressionado, com
menos vendas, uma janela de exportação que beneficia um terço da nossa produção
e um percentual muito menor da nossa indústria”, salientou, colocando que
é necessária uma ação coordenada e contundente. “Esperamos que este evento
seja o início desta integração da cadeia como um todo”, enfatizou.

O secretário de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento
Rural, Domingos Velho Lopes, também falou na abertura do Fórum ressaltando a
forma cordial e técnica no convívio com o Instituto Desenvolve Pecuária e
convidou para que a segunda edição do evento seja realizada na próxima
Expointer. Velho Lopes salientou a necessidade de melhorar a imagem do produtor
rural, atacada continuamente. “Precisamos desenvolver uma metodologia que
seja oficial quanto à medição do fluxo de carbono, do sequestro de carbono,
para certificá-la e monetizá-la. Temos que buscar soluções contínuas e
permanentes para o produtor rural”, pontuou.

Na parte da tarde, a programação reiniciou com palestras se
reportando ao “Dentro da Porteira”. O dirigente do Instituto
Desenvolve Pecuária, João Ghaspar de Almeida, falou sobre fontes de energia,
salientando que a alimentação elétrica é deficiente e cara. Também citou a
questão da segurança no campo e a legislação ambiental que, segundo ele, é
ambígua e politizada. Outro fator apontado pelo dirigente foi a padronização do
processamento decarcaças. “É um problema mais de comunicação, o que é
fácil de acertar e é isto que este Fórum quer provocar”, afirmou. Almeida
fez, ainda, referência à fala de Francisco Vila sobre produzir o que o mercado
deseja. “Noventa e cinco por cento dos pecuaristas trabalham com menos de
250 cabeças, o que provavelmente deve se modificar nos próximos 15 a 20 anos”,
previu.

Logo em seguida, o pecuarista Fernando Costabeber, associado
ao Desenvolve Pecuária, comparou o Rio Grande do Sul ao Uruguai, por ser um
país similar ao Estado. Informou que o Uruguai tem 35 frigoríficos que abatem
e, destes, 19 exportam para a China. “Eles têm controle do mercado
interno, sendo que os açougues precisam estar ligados ao Instituto Nacional de
Carnes (INAC). Nos frigoríficos, todos os animais são pesados em balanças
oficiais”, contou. Já em termos de rebanho bovino, Costabeber disse que
Rio Grande do Sul e Uruguai possuem quase o mesmo número de cabeças, com o país
vizinho contabilizando 400 mil nascimentos a mais que o Estado gaúcho. “O
Uruguai tem uma média de 80% de prenhez e a segurança de ter 3 milhões de
terneiros em 2022. Já no Rio Grande do Sul não há números precisos”,
salientou.

Conforme Costabeber, em relação à receita com a exportação
bovina, o Uruguai fechou 2021 com U$ 3 bilhões, e o nosso Estado com U$ 175
milhões. “O mercado internacional é que puxa os preços. O Uruguai está em
festa com a China e a interferência do INAC trouxe saúde empresarial aos
frigoríficos, enquanto que aqui, com toda a liberdade econômica, a luta é
desigual”, finalizou.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e
Derivados no Estado do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen, reforçou em
sua palestra que um dos maiores problemas do setor é a falta de integração e
diálogo. Explicou que vem de uma base cooperativista onde a integração gera
frutos e resultados. “Pelo perfil dos produtores e da indústria deste
setor, a integração é mais difícil. No passado recente, fomos envolvidos em
discussões ferrenhas que não levaram a lugar algum. Sempre defendo a ideia de
que o maior público que está aqui, que é o de produtores, não produz boi,
produz carne. O nosso negócio como um todo é a carne e se formos todos para o
mesmo lado, temos grandes possibilidades de chegar aos níveis do Uruguai”,
enfatizou.

Lauxen trouxe para o debate a questão da ociosidade na
capacidade de abate dos frigoríficos que, conforme informou, está em 50%.
“Hoje temos no Estado operando 12 frigoríficos de inspeção federal, 62 de
inspeção estadual e 152 de inspeção municipal. São 226 empresas com uma
situação atual fomentada pelo produtor, que busca diariamente novas
alternativas. Em 2021 começou a queda nos abates e deve seguir assim em 2022.
Em 2020 abatíamos 180 mil cabeças por mês. Em 2021 caiu para 150 mil e até
agora a média é de 137 mil cabeças/mês”, afirmou.

O dirigente responsabiliza por essa situação a falta de
matéria prima com a redução da disponibilidade de animais para abate, além da
queda no consumo. “O rebanho gaúcho caiu em torno de 2 milhões e 600 mil,
cerca de 19% de queda. O produtor de boi precisaria ter rentabilidade maior
para continuar na atividade. Ao mesmo tempo, a indústria está sem rentabilidade
e o consumidor está achando a carne muito cara. Então, como fechar essa conta?
É o grande desafio que temos para o mercado interno”, questionou.

Na parte do varejo da carne, o presidente da Associação
Gaúcha dos Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, destacou em sua fala que o
setor com mais de seis mil lojas teve aumento de custos, sentindo a crise e a
mudança de hábito do consumidor, que em 30 dias registra um novo perfil de
compra. Informou que o açougue representa no supermercado 25% de renda e mais
da metade é carne bovina, portanto, é a principal categoria visitada pelos
clientes. “Sou sempre questionado sobre a diferença do que é pago pelo boi
e o que é cobrado do consumidor. Nesta pandemia, a gente viu o consumidor ir da
carne bovina para o frango, para o suíno, para a batata e para o waffer”,
contou.

Finalizando as palestras do primeiro Fórum da Cadeia
Produtiva da Carne Bovina, o coordenador do NESPro, Júlio Barcellos, abordou o
tema “Integração da Cadeia”. O professor citou a constituição de um
grupo de trabalho, a partir da discussão realizada durante esta quinta-feira,
com uma pauta mínima aproximando os elos da cadeia. “Precisamos mudar a
comunicação e a atitude. Não adianta ser um leão contra o frigorífico e um
gatinho com o comprador. Talvez tenhamos que repensar o varejo e o gatilho de
vendas. O consumidor, no mercado, não pede um boi criado no Rio Grande do Sul,
ele quer uma carne barata e isso temos que compreender”, destacou.

De acordo com Barcellos, o novo conceito de negócios da
carne é a cadeia de valor. Citou que o preço continua sendo o melhor item de
qualidade para quem não pode pagar. “O consumidor agora tem diversidade
nos itens e compra por qualidade, tradição, segurança e por ser sustentável. É
o varejo que vai abrir as portas para fazer a comunicação e informar quem está
comprando”, afirmou, informando sobre pesquisas feitas junto aos jovens
que falam em redução no consumo de carne bovina apresentando como causas o
aquecimento global e o desmatamento da Amazônia.

O coordenador do NESPro apresentou que o consumo de carne no
país na década de 80 era de 14 quilos por ano, e em 2010 subiu para 42 quilos
e, agora, caiu para 26 quilos por ano. E hoje, quem se habituou a 26 quilos não
volta para 42. Disse que a cadeia produtiva da carne bovina é assimétrica
porque as interlocuções não são institucionalizadas. “É preciso levar para
a mesa de negociação os interlocutores com reputação”, garantiu. A
sugestão do NESPro, segundo Barcellos, é foco no consumidor, ajuste no sistema
de produção, integração e redução de assimetrias.

Na manhã, o consultor internacional Francisco Villa colocou
a necessidade de fazer a ligação entre o consumidor urbano e os produtores de
boi.”Os urbanos não fazem esta ligação entre a carne e o boi. Temos que
fazer este elo. O boi está perdendo o espaço que teve no passado e por isso é
preciso renovar o funcionamento da cadeia”, salientou, lembrando que de
2008 a 2018 houve uma redução na alimentação domiciliar e, agora, com as
entregas intensificadas durante a pandemia, existe outra estrutura de consumo
dos alimentos. “A alimentação fora dos domicílios ocupa um terço daquilo
que comemos. Também precisamos olhar a nossa cadeia para fora do estado, do
país e focar no mundo. Enquanto em 2009, 18% da carne bovina foi para o exterior,
hoje esse percentual é mais de 25%,” disse Vila, que enfatizou ainda a
existência de uma nova realidade acelerada pela pandemia e agora pela guerra.
“Com a criação de conflitos entre o ocidente e a Ásia, temos uma forte
tendência à desglobalização e, se queremos vender para a China, precisamos
comprar dela”, concluiu.

O ex-ministro da Agricultura e Abastecimento, Francisco
Turra, também abordou a questão da exportação brasileira de carne. Disse que
quando participou como ministro da primeira reunião da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em Paris, na França, o Brasil não era visto como um país
confiável. “Na época, exportávamos apenas carne cozida e enlatada, e hoje
temos 160 países abertos para receber a nossa carne. O mundo está carente de
alimentos e nós temos ciência e tecnologia para produzir alimentos. O Brasil
deveria cobrar uma taxa especial pelo status sanitário. A sanidade animal é uma
grife brasileira”, afirmou. O ex-ministro foi muito aplaudido quando disse
que não se pode “grenalizar” as boas ideias para o campo. “Se uma entidade
desenvolveu um bom projeto, temos que abraçar. Não podemos continuar aplaudindo
quem não olha para nós”, destacou.

Texto: Rejane Costa,
Ieda Risco e Vitória Pimentel/AgroEffective