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A cada três horas uma criança sofre violência sexual no Estado

Em média, 27 casos diários de violência contra crianças e adolescentes em solo gaúcho
Foto: Divulgação | Polícia Civil
Foto: Divulgação | Polícia Civil

A preocupação com a invisibilidade dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes entrou na pauta das discussões dos prefeitos gaúchos. Dentro da programação da Missão Municipalista, projeto de interiorização da Famurs, o tema é abordado pela delegada de Polícia da Divisão Especial da Criança do Adolescente (DECA), Caroline Machado. O objetivo é sensibilizar sobre a grande incidência de casos no Rio Grande do Sul e apresentar ações que os municípios possam promover para proteger crianças e adolescentes.

Segundo o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul tem, em média, 27 casos diários de violência contra crianças e adolescentes. A violência sexual ocupa o segundo lugar no ranking estadual, com 25% das notificações. A subnotificação, entretanto, preocupa: estima-se que apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades.

“No Brasil, infelizmente, o lar não é um lugar seguro, por isso a importância da sensibilização, de trazer o tema para o debate. Uma das coisas que temos que pensar é que a negligencia e a ignorância são os piores inimigos do combate à pedofilia e ao abuso infantil, que são os piores crimes do nosso ordenamento jurídico”, afirmou.

Mesmo ao pontuar sobre a dificuldade de falar sobre abuso sexual, tema considerado difícil de abordar, ressaltou a importância do envolvimento dos gestores municipais e outras lideranças para trazer luz a essa problemática.  “A gente vê no DECA, todos os dias e noites, crianças abusadas, inclusive bebês de meses de idade. Incomoda saber que isso está acontecendo na nossa sociedade, e que não é uma realidade distante”. No total, uma criança é estuprada a cada três horas no RS.

A iniciativa, segundo o presidente da Famurs, Luciano Orsi, é envolver os municípios para sensibilizar os atores da rede de proteção e divulgar os canais de denúncia anônimos para a comunidade. “Esse trabalho que está sendo proposto não envolve grandes investimentos, apenas requer um olhar atento para esse tipo de crime. Esse engajamento dos gestores e, por meio dessas lideranças, da Rede de Proteção nos municípios, visa dar voz às crianças”, defendeu. As estatísticas mostram também que entre 80 e 90% dos casos são intrafamiliares, perpetrados por pais, padrastos, mães, enfim, por pessoas que deveriam protegê-las.

Caroline Machado trabalhou no caso do menino Bernardo, que se tornou um marco legal do Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA completou 33 anos foi atualizado com a criação da Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada (2014), mais recentemente, a Lei Henry Borel (2022), dispondo que a omissão em comunicar uma suspeita às autoridades é crime. “Toda vez que ocorre uma tragédia, muda a legislação, mas isso não resolve, porque não é só a lei que precisa mudar. Por mais que machuque pensar numa sociedade que estupra as suas crianças, precisamos tirar esse assunto debaixo do tapete”. Além disso, alertou que quando os atores da rede, funcionários públicos, não sabem lidar com o caso de uma criança vítima de abuso estão cometendo violência institucional.

Ao identificar comportamentos anormais, o recomendado é denunciar. O Disque 100, criado em 2003, é um canal importante, e que garante o sigilo. Conforme avalia,a comunicação via Sistema de Informação de Agravos de Notificação, que é o Sinan, e Conselho Tutelar, na prática são insuficientes. “Não precisa ter certeza, o dever de investigar é da polícia, por isso precisamos receber essa denúncia”, esclareceu. No mês de abril, a Polícia Civil iniciou a operação La Lumière para desvendar uma rede de mulheres que entregava os próprios filhos, todos menores de idade, para abusos sexuais em troca de dinheiro e presentes. Quatro mulheres e um homem, abusador em série, já foram presos. O crime foi descoberto através de uma denúncia anônima.

O caso de uma dentista que atendia uma menina de quatro anos, e a qualquer pergunta, antes dela responder sobre quantas vezes escovava os dentes por dia, por exemplo, olhava para o pai pedindo autorização para falar, chamou a atenção da delegada. “Isso não é normal. Nessa idade, as crianças são tagarelas”, comentou. A delegada explica que as crianças não falam porque o abusador impõe medo, mas elas demonstram com desenhos, com comportamento, indícios que tem que ser notados, em primeiro lugar pela família, que em muitos casos é negligente. “90% das crianças não mentem quando falam de algum abuso, mas infelizmente, os adultos têm a ideia que as crianças estão mentindo. Quando elas vêm relatar alguma coisa, levam em conta o que a criança fala”, aconselhou. Outra dica é que os pais evitem atitudes que naturalizam comportamentos que não são adequados, como beijinhos na boca da criança. “O abusador está atento a isso, ele analisa a família da vítima”.

Outra preocupação é com o assédio na internet. Hoje, com o celular na mão, as crianças têm uma porta aberta virtual a um universo que pode ser agressivo e onde tem inúmeros criminosos. Se o acesso à internet não é cuidado pelos pais, as crianças ficam vulneráveis. O alerta nesses casos é para danos permanentes. “A gente vê cada vez mais crianças e adolescentes mandando nudes, e depois sendo chantageadas por abusadores, que estão do outro lado. Depois que entra para internet, na deep web, não tem mais o que fazer. A gente sempre orienta que todo o cuidado é pouco. Não pensem que seus filhos estão livres de qualquer tipo de abuso porque estão no seu quarto, se eles estão na internet”, explicou a delegada. Outro foco de investigação é a deepweb. “Um vídeo de abuso de criança pode custar entre mil e dois mil reais, se for bebê o valor pula para 50 mil. Está acontecendo um comércio assustador”, relatou.

Fundo da Infância e Adolescência (FIA) – Trata-se de um fundo municipal importante e subutilizado. Permite captar recursos de todas as pessoas físicas que pagam imposto de renda em até 6%. Esse recurso extra pode ser investido em ações voltadas às crianças e adolescentes.

O que os municípios podem fazer:

  • Fomentar o disque 100 com os educadores e profissionais da saúde e da área social;
  • Fomentar o Disque 100 na comunidade local;
  • Propor capacitação para esses profissionais para que eles saibam identificar os sinais emitidos pelas crianças e adolescentes e façam as denúncias;
  • Fortalecer o Conselho Tutelar, dando condições para exercerem o seu trabalho;
  • Fortalecer a Rede de Proteção à Criança e Adolescentet, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e a comunicação para o Conselho Tutelar.
  • Brinquedotecas nas Delegacias – ajudar na criação de um espaço para que as crianças e adolescentes vítimas e testemunhas possam esperar, evitando revitimização.

 

A violência sexual pode ser dividida em categorias (Fonte: Polícia Civil)

Abuso sexual é a utilização do corpo de uma criança ou adolescente por adulto ou adolestente para a prática de ato de natureza sexual, coagindo a vítima física, emocionalmente ou psicológica. Geralmente é praticada por pessoas em quem a criança confia. Compreende atos libidinosos até o estupro. No abuso sexual, o agressor busca satisfazer seus desejos, prevalecendo-se de alguma circunstância que lhe favoreceu o contato privado com a vítima.

Exploração Sexual caracteriza-se pela utilização sexual da criança ou adolescente com a intenção de lucro, seja financeiro ou de qualquer espécie, podendo haver a participação de um terceiro agente entre a criança ou adolescente e o cliente. A exploração sexual pode acontecer no contexto da prostituiçõ, do tráfico de pessoas, da pronografia (ao vivo, imprensa, vídeo) e do turismo sexual.

Turismo sexual é a exploração sexual que visa atender turistas. É comum esse tipo de violência ter a cumplicidade de agências de viagens, guias turísticos, hotéis, bares e restaurantes. Tráfico para fins de exploração sexual promoção ou facilitação de entrada, saída ou deslocamento no território nacional ou internacinoal de crianças ou adolescentes com o objetivo de serem explorados na prostituição ou na pronografia.

Pedofilia é uma doença caracterizada pela atração de um adulto em relação à criança entre 0 e 10 anos. O pedófilo se torna criminoso quando comete atos libidinosos presencialmente ou por meio da internet, Leis mais rígidas e aumento da fiscalização da internet têm sido positivos no combate a esse crime.

Negligência configura-se quando os pais, responsáveis ou mesmo o Poder Público falham em atender às necessidades mais básicas como cuidados com higiene, educação, alimentação, saúde e o desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes.

Bullying é o ato de implicar acintosamente, perseguir, humilhar, expor vexatoriamente ou ameaçar crianças ou adolescentes vulneráveis. Esse tipo de violência no meio escolar, mas não é restrita a ele.

Cyberbulling é o bullying praticado por meio da internet e meios sociais.

A Polícia Civil gaúcha tem 18 delegacias especializadas em criança e adolescentes, que cuidam das políticas públicas e capacitando os policiais para atendimento adequado, em Porto Alegre, Canoas, Passo Fundo, Rio Grande, Cachoeira do Sul, Pelotas, Santa Maria, Caxias do Sul, Santo Ângelo, Uruguaiana, Santa Cruz do Sul, Carazinho, São Luiz Gonzaga e Vacaria. No organograma da Polícia Civil, a Divisão da Criança e Adolescente está circunscrita ao Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis, englobando mulheres, idosos, vítimas de crimes de intolerância, discriminação ou preconcento quanto à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual, identidade de gênero ou em razão de deficiência, criado por lei em 2018.

Participação da Famurs – Em dezembro do ano passado, foi realizado um mapeamento da rede de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes no RS com o objetivo de produzir informações dos órgãos visando orientar os municípios acerca da implantação da Lei 13.431/2017, que estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. O estudo foi desenvolvido pelo Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, vinculado à Secretaria da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social (SICDHAS), em parceria com a FAMURS e o Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (COEGEMAS/RS).

Foto: Janis Morais/Famurs

Tags: Criança, Dados, Polícia, Rio Grande do Sul