Paisagens de tirar o fôlego e ricas
em história sobre o passado da Terra são, atualmente, companhia constante da
paleontóloga lajeadense Joseline Manfroi, graduada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale
do Taquari – Univates e doutora pelo Programa de
Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD). No
momento, a pesquisadora lidera estudos sobre paleoincêndios e mudanças
climáticas na Antártica e na Patagônia no Instituto Antártico
Chileno (Inach), em Punta Arenas, cidade que é considerada a porta de entrada
para a Antártica.
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A cientista foi pioneira nos
estudos sobre a ocorrência de paleoincêndios vegetacionais durante o Cretáceo
nos ambientes austrais da Península Antártica, em um tempo geológico em que o
continente atualmente branco e coberto de neve ainda era verde, tomado por
grandes florestas e habitado por diversos organismos, entre eles aves,
dinossauros e primeiros mamíferos. Esses ambientes eventualmente eram
consumidos pelo fogo, assim como ocorre em muitas partes do globo na
atualidade.
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Os estudos desenvolvidos pela Dra.
Joseline em seu pós-doutorado colaboram para agregam informações em projetos de
pesquisa realizados em distintas instituições, entre elas o Laboratório de
Paleobotânica e Evolução de Biomas do Museu de Ciências da
Univates e o Centro de Polar e Climático da Universidade da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), instituição em que a pesquisadora é colaboradora.
O projeto de pesquisa conduzido por Joseline é fomentado pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e seu trabalho tem gerado
uma importante conexão de pesquisas entre o Chile e o Brasil na área da
paleontologia. A pesquisadora está, desde fevereiro deste ano, coletando
materiais e estudando incêndios florestais e mudanças ambientais e climáticas
que aconteceram na região há 145 milhões de anos.
No início de 2022, juntamente com
uma equipe composta por paleontólogos com diferentes especialidades do Inach e
da Universidad de Chile, liderada pelos paleontólogos Dr. Marcelo Leppe
e Dr. Alexander Vargas, Joseline participou de uma expedição científica
paleontológica na região de Magalhães, na Antártica Chilena, com o objetivo de
realizar prospecção de material fossilífero para seus estudos.
Joseline afirma que “com base na
análise dos fósseis carbonizados coletados durante a expedição, será possível
realizar importantes interferências paleoambientais, que hoje representam uma
significativa lacuna de informações a ser preenchida para permitir uma melhor
compreensão da dinâmica das mudanças ambientais e climáticas nessas áreas do
globo”.
A pesquisadora também comenta que
“a abrangência da cooperação internacional é essencial para o desenvolvimento
dessa área do conhecimento e fortalece e fomenta ainda mais as relações
científicas e a internacionalização da ciência produzida por brasileiros”, já
que seu trabalho mobiliza diferentes instituições no Brasil e no Chile.
Em busca de respostas
Há dez anos, Joseline teve o
primeiro contato com o Instituto Antártico Chileno, participando de um simpósio
da Associação de Jovens Pesquisadores Polares (Apecs/Brasil), da qual ela faz
parte. Foi nessa ocasião que conheceu os trabalhos desenvolvidos pelo Inach e,
no mesmo ano, a pesquisadora teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o
instituto ao participar do Congresso de Paleontologia do Chile em 2012,
juntamente com sua orientadora de mestrado, Dra. Tânia Lindner Dutra.
Os temas de pesquisa de Joseline
são pioneiros, havendo atualmente apenas dois trabalhos publicados sobre a área
específica que ela estuda ‒ sendo o primeiro deles, o seu, de 2015, que
apresenta o primeiro registro de paleoincêndios na Antártica durante o período
Cretáceo (último período da Era Mesozoica, compreendido entre 144 milhões e
66,4 milhões de anos atrás). Seu artigo intitulado “The first report of a Campanian palaeo-wildfire in the West
Antarctic Peninsula”
foi publicado na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology.
A proposta inicial da paleontóloga
era pesquisar os paleoincêndios na Antártica, e hoje ela se vê ampliando o foco
do trabalho, também, para a Patagônia. “Os estudos que estamos realizando têm
grande importância pois, na atualidade, a Patagônia é assombrada por muitos
episódios de incêndios florestais. E é muito promissor olhar para o passado
para compreender o presente e também fazer projeções para o futuro. A vantagem
de se trabalhar com fósseis vegetais é que as plantas, enquanto vivas, vão
alterando suas estruturas morfoanatômicas de acordo com as mudanças ambientais
e climáticas que ocorrem no ambiente em que habitam, e essas alterações em sua
anatomia ficam preservadas no registro fossilífero”.
“Olhar para a estrutura das plantas
fósseis é como abrir uma janela para o passado, visualizando as condições
ambientais e climáticas de uma determinada região do globo há milhões de anos”,
afirma Joseline.
Quando questionada sobre a sua
trajetória profissional, a paleontóloga comenta: “Enxergo hoje a história da
minha caminhada profissional como a soma de muitos movimentos ao longo de
muitos anos. Nada se constrói do dia para a noite, mas, sim, com a continuidade
de movimentos e esforços individuais e coletivos compartilhados, e quando falo
coletivos incluo minha família, amigos, alunos, companheiros de pesquisa e
professores”.
“Tenho orgulho de pensar que minha
história não é só minha, e sim de muitos! Na verdade, ela envolve muitos
personagens: todos aqueles que vieram antes de mim, que caminharam comigo, e
todos os que ainda estão por vir, que darão continuidade à produção de
conhecimento na área das geociências”.
“Recebo muitas mensagens de pessoas
que me acompanharam em alguma etapa da minha jornada, que me escrevem que hoje
se sentem aqui comigo, e isso é muito bacana! Poder trazer até ‘o fim do mundo’
o nome de Lajeado, das pessoas que construíram o meu trabalho comigo e das
instituições com as quais tenho vínculo é motivo de muita alegria para mim”,
complementa Joseline.
A experiência de participar de
expedições de campo, coletar materiais e informações em situações extremas,
diferentes das experiências de campo no Brasil, por exemplo, é algo desafiador
para qualquer pesquisador. Joseline relata que já viveu situações em condições
climáticas adversas, como calor, frio, chuva, neve e muito vento, mas se diz
honrada em ter a oportunidade de estar pesquisando e atuando nesta área do
conhecimento, as geociências, campo científico predominante masculina. “Aprendo
e ensino aqui. É sempre uma troca”.
Com seu trabalho, a cientista
espera poder contribuir para a ciência e para a sociedade. “Pretendo preencher
uma lacuna importante que existe atualmente na ciência sobre a dinâmica dos
paleoincêndios na Patagônia e na Antártica ‒ a região mais austral do mundo ‒
durante o período Cretáceo, que temporalmente coincide com a extinção dos
dinossauros. Sendo assim, é fundamental compreender o que aconteceu antes e
depois desse evento”, explica.
Pesquisadoras no fim do mundo
A estadia da pesquisadora no Chile
também foi retratada na série “Científicas en el fin del mundo”. O
documentário foi lançado pelo Conselho de Monumentos Nacionais do Chile e
coordenado pelo paleontólogo José Pérez Marín. A obra tem como objetivos
divulgar a ciência desenvolvida pelo olhar e pelas mãos de mulheres e encorajar
uma nova geração de meninas e mulheres cientistas a ingressarem em campos como
as geociências. Os episódios apresentam cinco mulheres pesquisadoras, que
desenvolvem trabalhos na região mais austral do Chile.
Passos anteriores da pesquisadora
Joseline dedica-se à pesquisa
científica desde o início da graduação, atuando como bolsista de iniciação
científica, tendo sido orientada pelo professor Dr. André Jasper, professor
permanente do PPGAD e coordenador do Laboratório de Paleobotânica e Evolução de
Biomas da Univates, e pelas professoras Dra. Tânia Linder Dutra (da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos ‒ Unisinos) e Dra. Margot Guerra-Sommer
(Ufrgs). Em 2016 Joseline alcançou distinção pela pesquisa inédita desenvolvida
nesta área do conhecimento, recebendo a premiação como Pesquisadora Destaque na
categoria Melhor Artigo Internacional pela Unisinos, pela publicação do
trabalho pioneiro para Antártica.
Atuação no Florantar
Desde 2021 Joseline compõe a equipe
de pesquisadores do Projeto Florantar, do Programa Antártico Brasileiro
(Proantar). Florantar ‒ Paleofloras da Península Antártica é um macroprojeto
que reúne mais de 30 anos de experiência em pesquisas paleontológicas na
Península Antártica. Ele tem como principal missão conhecer e estudar as floras
fósseis da Antártica e suas conexões, visando à aplicação do conhecimento
gerado no entendimento de processos geológicos, evolutivos da paisagem,
alterações tectônicas e climáticas ao longo do tempo. O projeto é desenvolvido
por uma equipe de cientistas brasileiros e estrangeiros, sendo coordenado
atualmente pelo professor Dr. Marcelo Araújo Carvalho (Museu Nacional do Rio de
Janeiro/Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O Inach
O Inach, onde atualmente Joseline
realiza suas pesquisas, é um órgão do Ministério das Relações Exteriores do
Chile com autonomia em relação aos assuntos antárticos de natureza científica,
tecnológica e de divulgação científica. O Instituto cumpre a Política Nacional
Antártica do Chile incentivando o desenvolvimento de pesquisas de excelência,
participando efetivamente do Sistema do Tratado Antártico e de fóruns
relacionados, fortalecendo Magalhães como porta de entrada para o continente
branco e realizando ações para disseminar o conhecimento antártico para os
cidadãos do Chile e demais países.
Texto: Redação Univates