Search
[adsforwp-group id="156022"]

Polo naval do Rio Grande do Sul luta para sobreviver

img_10824_foto_1.jpg

O oceano de incertezas que cerca os estaleiros também ameaça pôr a pique o polo naval do sul do Estado. Após o ressurgimento há cerca de uma década, entre a euforia vivida até 2013 e o início do declínio marcado pela crise na Petrobras e a eclosão da Lava-Jato, um novo movimento ganha corpo para reemergir o setor, mesmo que longe da exuberância imaginada há não muito tempo.

No início de 2013, os estaleiros do país tinham na carteira 13 plataformas, 16 montagens ou integração de módulos, 28 sondas de perfuração e 26 petroleiros. Ao final do ano passado, eram somente 11 petroleiros e oito projetos de integração de módulos em andamento, segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Mesmo com demanda bem menor, o esforço une agora estaleiros e fornecedores para que a estatal revise sua nova política de priorizar a encomenda de plataformas no Exterior, diretriz que sustenta ser baseada em custos menores e maior agilidade na entrega.

Os reflexos atingem em cheio os estaleiros gaúchos. Em Rio Grande, o QGI trabalha na montagem dos módulos das plataformas P-75 e P-77, dando trabalho a cerca de mil pessoas. Depois, nada à vista. No estaleiro Rio Grande, da Ecovix, há apenas cerca de 200 funcionários na manutenção da área após a Petrobras levar a construção de cascos para a Ásia e rescindir contratos. No EBR, na vizinha São José do Norte, são cerca de 2,2 mil envolvidos na montagem de instalação dos módulos da P-74. A tarefa deve ser concluída até o final do ano e não há perspectiva de novo contrato. Em 2013, eram mais de 20 mil empregados. Hoje, são menos 3 mil e há risco de todos serem perdidos.

A batalha entre os fabricantes nacionais e a Petrobras está centrada na encomenda de uma plataforma destinada ao campo de Libra, no pré-sal. A estatal quer liberação da Agência Nacional do Petróleo para ter zero de conteúdo nacional. Em tensa audiência pública, semana passada, no Rio, a empresa alegou que, se fosse feita no Brasil, o custo seria 40% maior e haveria risco de atraso — o prazo é de 38 meses.

Sindicatos dos metalúrgicos e das empresas, fabricantes de máquinas e estaleiros gaúchos ainda pressionam. Associado a uma companhia internacional convidada para a concorrência, o QGI tenta um quinhão. A Ecovix argumenta que tem pronto em Rio Grande mais da metade do casco da P-71, cujo contrato foi rescindido pela Petrobras, e teria condições para adaptá-la às especificações com custo menor. Apesar do histórico de atrasos, o vice-reitor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Danilo Giroldo, presidente do Arranjo Produtivo Local (APL) Polo Naval e de Energia, vê sentido:

— A P-71 está dentro do dique seco, 55% pronta. A nossa estimativa é de que custaria mais R$ 200 milhões.

O histórico, porém, joga contra. Com contrato de US$ 3,46 bilhões, o estaleiro deveria entregar oito cascos entre 2013 e 2015. Apenas três foram concluídos, e com atraso somado de três anos. Em entrevista à Rádio Gaúcha no início do mês, o próprio presidente da Petrobras, Pedro Parente, jogou um balde de água fria na esperança de retomar a atividade no estaleiro da Ecovix, ao citar os atrasos nas entregas dos casos. Reforçou ainda que a P-71 não terá uso pela Petrobras. Mas sinalizou que vê viabilidade na montagem de módulos para plataformas, como fazem hoje QGI e EBR.

O vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Rio Grande, Sadi Machado, diz que o principal motivo da mobilização é pela retomada da construção do casco que corre o risco de virar sucata. No sábado, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff participam de ato na cidade. Uma frente parlamentar em defesa do polo naval foi formada e há expectativa de audiência com o presidente Michel Temer na próxima terça-feira.

 

Batalha de argumentos

O discurso da Petrobras relacionado a atrasos e custos mais altos para fazer encomendas no país é contestado pelos estaleiros brasileiros. Na tensa audiência pública sobre o tema, a estatal disse ter consultado nove empresas nacionais do setor e concluiu que o preço de uma plataforma seria 40% maior do que se fosse feito no Exterior. O Sinaval afirma que nenhum de seus associados confirmou ter sido procurado e reclama que a estatal não dá transparência aos dados de sua argumentação.

A Petrobras sustenta ainda que, apesar de ter pedido para encomendar a plataforma sem conteúdo local, essa não é a intenção. A ideia seria fazer no país apenas o que fosse competitivo na indústria nacional. Apesar dos atrasos e das dificuldades financeiras da controladora Engevix, em recuperação judicial, a Ecovix sustenta que, como metade da P-71 está pronta, finalizaria em 34 meses — quatro a menos do que o prazo da estatal. Como contra-ataque, o Sinaval também apresenta números que indicam atrasos semelhantes em sondas encomendadas no Exterior.

Estudo da situação pelo APL Polo Naval de Rio Grande aponta que a culpa deveria ser dividida. Reconhece as falhas de gestão da Ecovix, dificuldades financeiras, pouca experiência na atividade e os problemas de corrupção. Mas sustenta que os atrasos também seriam resultado de uma curva natural de aprendizado e avalia que a Petrobras teve responsabilidade devido a baixo detalhamento do projeto e mudanças em seu escopo, atraso na liberação do canteiro e irregularidades que também são alvo da Lava-Jato.

A Petrobras persegue outra lógica. Altamente endividada (R$ 314 bilhões ao final de 2016), busca fazer suas encomendas onde entende ser mais barato, deixando de lado o papel que teve nos governos do PT de âncora da política nacional para o setor de óleo e gás, dando preferência a fornecedores locais.

O especialista Walter de Vitto, que coordena as análises no setor de petróleo da Tendências Consultoria, observa que, como a gestão da Petrobras com a mudança de governo passou a ser mais pró-mercado, é natural que busque mais a lógica empresarial do que ter papel indutor na economia brasileira.

Para ele, os estaleiros precisam primeiro olhar internamente para verificar onde podem fazer melhorias de gestão e processos. Quando essa tarefa estiver pronta, a porta adequada para baterem, entende, seria o Planalto, e não exatamente a Petrobras. Os gargalos de competitividade seriam mais estruturais, como carga tributária, logística e custo Brasil, aspectos nos quais o país perde de goleada para a Ásia. O problema, ressalta, é que essa solução, se vier, ainda vai demorar. O desafio, então, é sobreviver até lá.