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Polícia Civil do RS vai adotar termo feminicídio em boletins de ocorrência a partir de 2018

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No Rio Grande do Sul, a partir de 1° de janeiro de 2018, os assassinatos de mulheres passarão a ser registrados oficialmente como feminicídio. A tipificação será adotada pela Polícia Civil gaúcha nos documentos como nova medida administrativa, com objetivo de aprofundar e dar maior visibilidade aos casos.

Mesmo sendo lei no Brasil há mais de dois anos, quando o Código Penal brasileiro foi alterado, o termo ainda é pouco usado nos registros policiais. Sem ele, antes do início da investigação, o documento pode indicar o caso apenas como homicídio ou latrocínio – roubo seguido de morte.

Em Pernambuco, em setembro deste ano, um decreto estadual substituiu a nomenclatura “crime passional” e instituiu o uso de “feminicídio” nos boletins de ocorrência que se referem a homicídios contra mulheres naquele estado.

Após o registro, a Polícia Civil instaura um inquérito e investiga o caso, ouve testemunhas e colhe provas. Ao final, pode concluir se a morte foi ou não feminicídio.

Isso já acontece, segundo o chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Emerson Wendt. Mas a nova medida administrativa da corporação vai permitir ter um recorte mais profundo sobre as mortes violentas de mulheres no estado e tornar visível a questão de gênero associada a essas mortes.

“Com a criação do fato no sistema e a possibilidade de registro de ocorrência, teremos de acompanhar constantemente, pois um fato que não é feminicídio poderá ser cadastrado como tal e vice-versa. Complementando, esses dados podem auxiliar nas políticas públicas na área”, afirma.

No Rio Grande do Sul, de janeiro a setembro deste ano, 65 mulheres foram assassinadas em casos reconhecidos como “feminicídio consumado”, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em 2016, no mesmo período, foram 75 vítimas.

Conforme a lei brasileira, a morte de mulheres por violência doméstica ou discriminação de gênero prevê uma pena de 12 a 30 anos de prisão – maior do que para homicídio, que é de 6 a 20 anos. E a punição ainda pode ser aumentada se o crime for contra gestantes, menores de 14 anos ou maiores de 60.

Em Porto Alegre, um grupo se uniu na campanha batizada de “Isso é Feminicídio”, para pressionar pelo uso do termo nos boletins de ocorrência registrados no estado. E conseguiu.

“Nem todos os casos de feminicídio são devidamente notificados e contabilizados da forma correta. É preciso realmente saber quando foi feminicídio para que isso se transforme em estatísticas úteis, que nos permitam compreender e enfrentar essa violência que vitimiza as mulheres gaúchas todos os dias”, diz ao G1 psicopedagoga Carolina Soares, 30 anos, uma das fundadoras da Rede Minha Porto Alegre, responsável pela campanha.

Nesta quinta-feira (2), Dia de Finados, ela e um grupo de mulheres realizam um ato em memória às vítimas desse tipo de crime. “O Rio Grande do Sul tem um dos mais altos índices de violência contra mulher do país. Todos os dias a gente vê um caso novo na mídia. É um crime de ódio contra uma mulher, por ela ser mulher”, reforça.

O ato é inspirado pela instalação “Sapatos Vermelhos”, da artista plástica Elina Chauvet e do jornalista Javier Juarez, em que pares de sapatos são recolhidos para fazer uma intervenção urbana. Em 2009, essa instalação foi montada como forma de cobrar o Poder Público a investigação dos assassinatos brutais de mulheres na cidade de Juarez, México, na década de 1990, como lembra a Rede.

 

Feminicídios não são crimes cometidos somente por atuais ou ex-companheiros, diz pesquisadora

A maioria das autoridades considera que feminicídios são apenas os casos íntimos – aqueles cometidos pelo marido, namorado ou companheiro, durante ou após o relacionamento.

É o caso de Juliana Jakubowski Kolassa, de 33 anos. Logo no início deste ano, ela foi morta com cinco tiros pelo ex-marido em Carlos Gomes, no Norte do estado.

A mulher manteve um relacionamento por 13 anos com o autor do crime, Roberto Carlos Kolassa, de 39. Eles tinham uma filha de 8 anos. Juliana, inclusive, tinha conseguido uma medida protetiva contra o ex, que chegou a ser flagrado pela polícia com uma espingarda. Mas isso se mostrou ineficaz. O homem se suicidou após matar a ex-mulher.

Mas nem todo feminicídio é cometido exclusivamente pelo atual ou ex-companheiro. Há crimes contra mulheres com violência sexual e execuções em razão de disputas do tráfico.

“O feminicídio é a morte de uma mulher devido à sua condição de ser mulher, à sua condição de gênero”, sustenta a professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Stela Meneghel.

“Não se pode considerar como feminicídio somente os assassinatos de mulheres cometidos pelos companheiros. Subestima a estatística real”, completa ela.

Estudiosa do tema há quase 10 anos, a docente fez uma pesquisa qualitativa sobre os feminicídios ocorridos em Porto Alegre entre os anos de 2006 e 2010. Os dados referentes aos assassinatos de todas as pessoas do sexo feminino foram solicitados diretamente na então única Delegacia de Homicídios da cidade.

Os critérios para a classificação dos crimes como feminícidios englobaram assassinatos de mulheres praticados pelo parceiro atual ou anterior; mortes com violência sexual; casos em que houve mutilação genital ou desfiguramento do rosto da vítima, e execuções relacionadas ao tráfico, nas quais se considerou que o fato de ser mulher potencializou o crime.

Os assassinatos que não foram considerados feminicídios incluíram mortes acidentais em tiroteios, brigas, latrocínio ou mesmo execuções em que a questão de gênero não era comprovadamente o fator desencadeador da violência.

“A gente partiu de um número de 207 mortes femininas por agressão, que são dados registrados no sistema do Ministério da Saúde [Sistema de Informação de Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil]. Mas nos foi fornecido um total de 89 inquéritos. Ou seja, menos da metade do registro de óbitos. Os outros a gente não obteve. Não sei se era porque não havia um inquérito ou por outras razões que desconhecemos”, pondera a pesquisadora.

Dos 89 inquéritos analisados, 64 mortes foram categorizadas como feminicídios pelo grupo de pesquisa. A maioria deles, 39 casos, foi classificada como íntimo, ou seja, crimes que ocorrem dentro de casa ou foram cometidos por parceiros atuais ou passados.

A maior parte das vítimas era jovem, com baixa escolaridade e exercia ocupações pouco valorizadas socialmente. Oito delas eram prostitutas em seu local de trabalho.

“Esse percentual de feminicídios, que é de 72%, é muito similar a outros países, em que de 60% a 70% dos homicídios de mulheres correspondem a feminicídios”, observa a pesquisadora.